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Segredo e poder: a sacralização do sigilo fiscal

Publicado por Eurico Marcos Diniz de Santi em 25/08/2016 às 09:25

Segredo e poder: a sacralização do sigilo fiscal
Por Eurico Marcos Diniz de Santi - Professor da FGV Direito SP e Coordenador do Projeto Transparência e Siligo nos âmbitos Público e Privado no Núcleo de Estudos Fiscais da FGV

Por André Rodrigues Corrêa - Professor da FGV Direito SP e coordenador do Projeto Transparência e Siligo nos âmbitos Público e Privado no Núcleo de Estudos Fiscais da FGV

1.    SEGREDO E PODER: A SACRALIZAÇÃO DO SIGILO FISCAL  
Saber é poder. O controle do acesso ao saber é uma forma de manutenção do poder. O sigilo, assim, é instrumento de concentração do poder. O segredo está no cerne do poder do Estado: a distribuição desigual da capacidade de percepção faz parte do poder. O poder absoluto vê sem ser visto, sabe de todos e ninguém sabe dele.
 
Com o deslocamento dos Estados desta posição de exclusividade, pelo avanço da concentração do poder econômico fruto do desenvolvimento do sistema capitalista, a concepção de sigilo modificou-se: restou para as empresas privadas a herança do segredo como estratégia de mercado. O sigilo fiscal começa então a fazer parte do “segredo do negócio” (em um cenário em que é de extrema relevância o peso da variável fiscal e opacas as relações entre público e privado).

Em tempos de Lava a Jato, a discussão sobre a abertura dos AIIMs é, portanto, mais uma oportunidade para avançar a reflexão sobre as relações entre Estado e Sociedade Civil. Que instituições queremos? A quem serve a proteção do sigilo fiscal? Quais são seus limites?

2.    RAZÕES PARA A ABERTURA DOS AIIMs, A 3ª AFERIÇÃO DA TRANSPARÊNCIA DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO E A INÉDITA ABERTURA DOS AUTOS DE INFRAÇÃO PELO ESTADO DA BAHIA.

Aqui o relatório da 3ª Aferição da Transparência do Contencioso Tributário.
 
Chama atenção o fato de a União (RFB/CARF) encontrar-se na 6ª posição com apenas 48 pontos: 1º Bahia, 2º São Paulo e Minas Gerais, 3º Santa Catarina, 4º Goiás, 5º Pernambuco e 6º Alagoas e União empatados.
 
A apresentação das razões para abertura dos AIIMs evidencia o alinhamento de interesses dos diversos atores envolvidos, demonstrando a falsidade da premissa de que há uma batalha entre Estado e Contribuintes. A referida abertura realiza, em grau ótimo, a compatibilização dos valores da proteção ao indivíduo e do respeito a coisa pública. Por fim, tal medida rompe com o paradigma do litígio, construindo ambiente cooperativo entre agentes fiscais, Administração tributária e contribuintes.

2.1. NA PERSPECTIVA DOS AGENTES FISCAIS
O segredo torna invisível e desimportante a ação do agente fiscal. Manter sua performance secreta impede o reconhecimento do trabalho do servidor e exclui sua derradeira voz na interpretação das normas tributárias. Além disso, impede que desempenho exemplar do dever funcional seja fonte de legitimação da carreira e de valorização na carreira. A abertura cria um diálogo público informado sobre as diferentes leituras das normas tributárias realizadas pelos auditores fiscais, o que permite a construção democrática de padrões de interpretação razoavelmente uniformes.

2.2. NA PERSPECTIVA DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA
O segredo fiscal alimenta a lógica da complexidade e da insegurança jurídica. O empoderamento da Administração tributária passa, necessariamente, pelo cumprimento de sua missão institucional. Num Estado Democrático de Direito é ampla publicidade dos atos de poder que lhes confere legitimidade.
 
Por dever de coerência, não faz sentido ocultar a peça inicial da autuação quando as decisões de primeira e segunda instância são públicas. No universo do serviço público não há espaço para verdades parciais, o que há é a necessidade de atualização e comunicação constantes de entendimentos racionalmente e publicamente justificados.

2.3. NA PERSPECTIVA DO CONTRIBUINTE AUTUADO
A abertura dos AIIM se justifica, inclusive, como medida de garantia para o cidadão autuado, pois isso tanto lhe permite verificar se o padrão de interpretação aplicado ao seu caso é compatível com o já aplicado a casos iguais, como lhe põe à salvo da aplicação de uma sanção de caráter arbitrário, ou seja, de um processo de autuação que o elege, injustificadamente, como alvo da perseguição do ente sancionador.
 
Eis os motivos pelos quais, desde o Iluminismo, propugna-se pela publicidade dos processos que visam a aplicação de penas: proteger o suspeito, o réu, o culpado garantindo a esses a proteção do olhar dos demais cidadãos sobre a forma como o Estado exerce suas prerrogativas.
 
Aliás, a possibilidade de escrutínio do processo pelos demais cidadãos também impõe uma maior exigência de consistência e clareza sobre o procedimento sancionatório, o que reverte, de novo, em benefício do contribuinte autuado: se o que se pretende com a sanção é, entre outras coisas, a concretização da prevenção especial, aquele que teve sua conduta avaliada como inadequada deve ser capaz de compreender os motivos de tal julgamento, para com isso atuar de forma distinta nas próximas oportunidades.

2.4. NA PERSPECTIVA DOS DEMAIS CONTRIBUINTES
A lavratura do AIIM não é tema de interesse exclusivo entre Fisco e contribuinte autuado, pois a autuação torna explícito qual a expectativa normativa do Fisco em relação ao comportamento dos demais contribuintes. Satisfaz, assim, a função de prevenção geral da sanção, já que todos cidadãos podem com isso balizar suas condutas de acordo com padrões concretos de legalidade consolidados em tais documentos.
 
Tal abertura democratiza o acesso à informação (acesso à legalidade concreta), fazendo com que não apenas grandes escritórios de advocacia que trabalham em larga escala tenham visão privilegiada do entendimento das autuações e suas assimetrias na aplicação dos critérios legais, criando-se ambiente de negócios, reduzindo custos de transação e tornando acessíveis informações, hoje, concentradas nas mãos de poucos.
 
A restrição injustificada do acesso à informação pública implica direta ofensa ao direito do cidadão de deliberar sobre políticas públicas, sobre a eficiência da ação dos servidores públicos e sobre a aferição da igualdade perante a lei; e as consequências são: difusão de insegurança jurídica sistêmica, fomento exponencial da indústria do contencioso e não submissão da administração pública ao controle social de seus atos, uma vez que participação efetiva no processo democrático exige a existência de participantes adequadamente informados.

3.    O QUE A BAHIA TEM? A TRANSPARÊNCIA QUE QUEREMOS
Mas tal transparência, além de desejável, é possível? Pode ser realizada com amparo legal? A Lei 12.527/11 fornece as condições de possibilidade para isso: mesmo se acatarmos a ideia (certamente discutível) de que há dados nos autos de infração que são sigilosos, a LAI exige que a administração fiscal disponibilize as partes não sigilosas do documento (art. 7º, § 2º).
 
A decisão do Estado da Bahia de realizar abertura dos AIIMs é, nesse sentido, exemplar: esse estado recentemente passou a publicar as informações essenciais de tais documentos por meio de plataforma virtual, conforme noticiado pelo portal JOTA [1].
 
Nada justifica que a boa prática da Bahia não seja seguida por todos os Estados da federação. Se o temor é a abertura das informações que violem intimidade e privacidade do contribuinte, pode-se tarjar essas, sem impedir a informação dos critérios legais e descrição dos fatos com generalização suficiente que permita a avaliação do critério que ensejou ao Fisco afirmar que os mesmos eram passíveis de enquadramento da incidência legal.  
 
Diz-se frequentemente que hoje, no Brasil, os cidadãos não confiam nas instituições. O primeiro passo para a mudança tem que ser dado pelo Estado. A administração pública tem de confiar nos cidadãos e em processos democráticos. Cidadãos podem sopesar evidências e tomar boas decisões, para isso precisam apenas ter acesso às informações necessárias, tal como manda a LAI.
 
A melhor estratégia está na mudança de mentalidade dos operadores do direito. É momento de repensar modelos ultrapassados em que o direito era realizado em ambientes obscuros e ausentes de controle: é hora dos agentes públicos abraçarem as causas da sociedade e estes serem abraçados por esta pelo relevo e estimo que prestam ao Estado Democrático de Direito.

Os autores agradecem a contribuição de Maria Cláudia Girotto do Couto, pesquisadora do referido projeto.

[1] Reportagem intitulada “Bahia passa a divulgar valores de autos de infração, em medida inédita no Brasil”, publicada no portal JOTA e disponível no seguinte link: http://goo.gl/Kw3Gl9

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